Por quase duas décadas, trabalhei no bairro da Guabiraba, RPA 3, na cidade do Recife. Escola Municipal São Cristóvão e Escola Municipal da Guabiraba. Irmãs siamesas. A segunda surgiu da primeira, após reformas administrativas, que separaram espaços físicos, corpo docente e discente. Afinal, houve ano em que a São Cristóvão teve algo próximo a três mil estudantes... Decisão da Secretaria de Educação, pessoalmente, traumatizante para mim. Em 1998, após uma pesquisa sobre folclore, escrevi o texto Parlendas na Guabiraba, publicado na série Folclore, da FUNDAJ,
sob número 252.
PARLENDAS NA GUABIRABA
Thelma Regina Siqueira Linhares
Fugindo à regra geral das brincadeiras de correr, muitas vezes agressivas, as meninas da área de Casa Amarela, particularmente da Guabiraba, gostam de brincar com parlendas, durante o recreio conturbado das escolas públicas de 1º grau.
São meninas na faixa etária dos sete aos doze anos que se organizam em duplas ou em quartetos e, juntas, vão cantando e acompanhando, com gestos, o que a letra sugere.
As letras têm rimas que reforçam a marcação da cantilena. Dado o início, as crianças começam a cantar e acompanhar os gestos com atenção, graça e alegria. Ao errar, recomeçam a brincadeira, com a mesma vitalidade, até cansar e enjoar quando, então, partem para outras atividades lúdicas.
É importante destacar, na parlenda, o elemento socializador. Em algumas, há a participação das crianças que rodeiam as que estão cantando e têm, incluídos, seus nomes nas letras e brincadeiras. Às vezes, os meninos podem, democraticamente, brincar.
Destaca-se, também, o elemento lúdico que, despretensiosamente, vai desenvolvendo afinação, ritmo e o gosto pela musicalidade, tão presentes nas crianças.
Ainda há de se ressaltar, entre outros, o desenvolvimento da atenção, do vocabulário e da coordenação motora.
A seguir, alguns exemplos de parlendas cantadas por Flávia, Janaína, Ivana, Isabel, Elza, Luciana, Lucilaine, Joseane, Gerlane, Sunamita, Taís e outras meninas da Guabiraba.
Babalu
(1) Babalu
(2) Babalu é Califórnia
Califórnia é Babalu
Eu só danço discoteca
(3) Discoteca da galinha
(4) Cintura de mocinha
(5) Bumbum empinadinho
(6) Babalu
(7) Aqui prá tu
Gestos que acompanham a cantilena Babalu:
(1) Mãos postas se tocando em palmas dorso das mãos esquerdas juntas
(2) Mãos direitas batendo embaixo e em cima
(3) Mãos nas axilas
(4) Mãos na cintura
(5) Mãos nos quadris
(6) Mãos postas se tocando
(7) Dá o dedo
Comentários da parlenda Babalu
As meninas cantam entusiasmadas e gesticulam conforme a letra. O último verso é cantado com mais ênfase, enquanto, o gesto de dar o dedo é feito com todo vigor, numa atitude autorizada e, até desculpável pela cantilena, apesar de reprimido, normalmente, pelo adulto.
O casamento
Com quem Sthella
Pretende se casar?
Com louro, moreno,
Careca, cabeludo
Rei, ladrão
Polícia, capitão?
Estrelinha do meu coração.
Gestos que acompanham a cantilena O Casamento:
As mãos de cada criança se tocavam na vertical, as duas palmas se batem e bate-se palma, repetindo-se esta seqüência até a palavra coração, quando, então, esticam-se os dedos que, somados vão dar o número da escolha das opções cantadas: 1 - louro; 2 - moreno, 3 - careca, 4 - cabeludo, 5 - rei, 6 - ladrão, 7 - polícia, 8 - capitão, retornando ao 9 - louro e 10 - moreno.
Comentário da cantilena O Casamento:
A dupla que está cantando e gesticulando, pode incluir outra criança que esteja acompanhando a brincadeira.
Se a criança for do ciclo de amizades e o escolhido for um mau-partido, as duas cantoras tornam a escolher outro candidato através de uma nova contagem. Caso contrário, deixam as coisas assim mesmo...
Outras parlendas cantadas pela garotada da Guabiraba:
Dindim, Castelo
Dindim castelo
Mal-assombrado
Xixi de rato
Prá todo lado
A coitadinha
Da princesinha
Não aguentou:
E desmaiou.
Manchete, manchete, manchete
Manchete, manchete
Aberto, fechado, aberto
Cruzado, sentado
Cê cê
Cê cê rê rê cê cê - cê cê
Somos quatro
Eu com tu
Tu com ela
Nós por cima
Vós por baixo
Cê cê rê rê cê cê - cê cê
Conclusão:
É interessante observar que o Folclore está presente no
dia-a-dia das crianças. Talvez, não tão constante e atuante quanto gostaríamos, mas, revestindo-se do novo, reinventando-se, recriando-se. E contribuindo, com certeza, para tornar a vida mais criativa e feliz. Como as parlendas infantilmente cantadas.
(Linhares, Thelma Regina Siqueira. "Parlendas na Guabiraba". Em Fundação Joaquim Nabuco, Coordenadoria de Estudos Folclóricos. Folclore, 252, julho de 1998)
As parlendas fazem parte da Literatura Oral. Consideradas como brincadeiras, são pequenos textos, versos e rimas, cuja sonoridade e ritmo, divertem. Também chamadas de cantilena e lengalenga.
Exemplos de parlendas:
Um dois, feijão com arroz.
Três, quatro, feijão no prato.
Cinco, seis, feijão em inglês.
Sete, oito, feijão com biscoito.
Nove, dez, feijão com pasteis!
Uni, duni, tê,
Salamê, mingüê,
Um sorvete colorê,
O escolhido foi você!
E mais:
Dedo mindinho,
Seu vizinho,
Pai de todos,
Fura bolo,
Mata piolho..
Um elefante incomoda muita gente...
Dois elefantes... incomoda, incomoda muita gente...
Três elefantes... incomoda, incomoda, incomoda muito mais...
(...)
Dez elefantes... incomoda, incomoda, incomoda, incomoda, incomoda, incomoda, incomoda, incomoda, incomoda, incomoda muio mais...
(...)
Cem elefantes... incomoda, incomoda... continua...
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